Um
discurso ascendente e acalorado. A impressão de que, após cometer um crime bárbaro
e ir para a cadeia, é só se declarar convertido que o erro tem um "perdão
social" é tema de vários embates entre opiniões divididas nas redes
sociais.
A adesão de condenados às religiões parece ter se
tornado estratégia moral para amenizar a imagem macabra dos atos que lhe foram
imputados. De ontem para hoje, como pólvora lançada às labaredas, vi a
repercussão de que o serial killer Tiago Henrique, condenado a mais de 630 anos
de prisão, lançaria seu livro “Tiago Rocha: Um pouco da história por trás de um
serial killer”. A notícia foi dada pelo perfil do Facebook do padre Luiz Augusto,
que acompanha a elaboração da obra de Tiago.
Ao rodapé da “nota de esclarecimento” do
religioso, uma chuva de comentários ácidos, comum neste tipo de publicação. “Perdão padre, mas não acredito no arrependimento
deste crápula. Sim, devemos perdoar. Mas será que ele realmente merece? Não
seria só promoção? não sei, mas acho que não poderia tá escrevendo livro algum.
Deveria mostrar seu arrependimento de outra forma não com promoção”, refuta a usuária Aparecida Rodrigues da Silva.
Logo em baixo, num outro comentário em nome de Anderson
Kleiton, um questionamento moral: “A
família das vítimas? As pessoas que estão sofrendo? Thiago causou tanto
estrago... Sei que é seu trabalho reeducar... Mas este foi o pior de todos...Ninguém
quer ler um livro de um assassino...Não quero ver nada deste mostro”, abomina.
Já Ida Rosa, outra usuária, ataca: “Absurdo isso! Dar Ibope pra um desgraçado
desse que causou tanta dor e sofrimento às famílias!...Quem se alia a um
desgraçado infeliz desse é tão miserável como ele! Não sei pq esse infeliz
ainda tá vivo! Pena de morte pra ele seria pouco!”.
A nota dada pelo padre Luiz Augusto aparece com
uma frase em destaque. “O Deus que
consola os familiares das vítimas, é o mesmo que perdoa e não desiste da
salvação de todos nós pecadores”. A repercussão foi instantaneamente dada
por jornais como O Popular, Diário de Goiás, G1 e Metrópole.
O posicionamento do padre tem embasamento
bíblico e é o exigido pela religião que representa. Talvez em textos como o de
1Pedro 3: 18, onde diz que o Cristo sofreu pelos injustos ou na ideia central
de perdão pregada nas missas e cultos, embasados em parábolas como “O Filho
Pródigo” e “Ovelha Perdida”.
O problema é que muitos
criminosos recorrem a esta cobertura religiosa para reduzir o desconforto
social causado pela crueldade de suas barbaridades. Isto causa uma enorme impressão
de que, após cometer um crime bárbaro e ir para a cadeia, é só se declarar
convertido que o erro tem um "perdão social".
Tenho quatro exemplos clássicos:
1° - Suzane Von Richthofen e os irmãos Daniel e Cristian foram
condenados, em 2006, pela morte dos pais, o engenheiro Manfred e a psiquiatra Marísia,
em 2002. Hoje detenta do semiaberto, tem direito a cinco saídas temporárias no
ano: Dia das Mães, Páscoa, Dia dos Pais, Dia das Crianças, Natal e Ano Novo. Casou-se,
converteu-se pastora, trabalha na
cadeia e ainda teve a chance de se ingressar numa faculdade em Tremembé-SP,
depois de ser aprovada no FIES (Financiamento Estudantil, do Governo Federal). Ganhou
espaço em um programa inteirinho apresentado por Gugu Liberato, mantendo sempre
o argumento de ser “vítima de si mesma”, que alcançou o perdão em detrimento do
arrependimento. Não é mais a vilã. É agora uma “boa moça”.
2° - Tiago Henrique Gomes da rocha, o serial killer de
Goiânia, matou mais de 30 jovens em 2014. Até o momento, depois de
27 júris populares, a pena já chega a 630 anos de prisão. Ele também se “converteu”
e lançará, em breve, um livro sobre o seu arrependimento. Francisco Carvalho, o
pai de Arlete dos santos, de apenas 16 anos, morta por Tiago com um tiro no
peito, lamentou em entrevista ao G1 Goiás. “Para mim, não vai trazer benefício
nenhum, só mais tristeza. Não aceito, não. Para mim, é tocar na minha ferida a
cada dia”, reprova.
3° - Guilherme de Pádua matou a atriz Daniella
Perez a tesouradas, em 1992. A pena de 19 anos foi reduzida para apenas seis. 20
anos depois de sua primeira condenação em 1997, casou-se após ter se convertido
pastor evangélico.
“Deus até pode te
perdoar porque ele é Pai. Mas conseguir o perdão do povo...aí meu caro, tá
difícil”, comentou a leitora Rosi Melo
na notícia sobre o casamento de Guilherme, publicada no site do jornal
Metrópoles.
4° - Já o Goleiro Bruno Fernandes das Dores de Souza foi condenado a mais de 22
anos de prisão por assassinato e ocultação do corpo da modelo Eliza Samudio, sequestro
e cárcere privado do filho Bruninho. Anderson Duarte é o nome do pastor responsável
pela conversão de bruno, na penitenciária Nelson Hungria, em Minas Gerais. Em
março deste ano, após ser solto, Bruno foi contratado pelo time da Boa Esporte.
Mas em abril, após um pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o
goleiro voltou para a cadeia. Ele ainda espera progredir para o regime
semiaberto e retomar de vez a carreira.
Se fosse dar mais exemplos
desgastaria as cartilagens dos meus dedos digitando e o texto ficaria ainda
mais gigante do que já tá. Quis citarar pelo menos alguns. Todos se
casando, saindo da cadeia a passeio, vivendo como se nada tivesse acontecido,
enquanto os familiares das vítimas de sonhos interrompidos convivem com a dor. Fico
pensando em como deve ter sido o Dia das Mães para estes.
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