terça-feira, 20 de novembro de 2018

Sim, o racismo existe. Não, ele não é imaginário e muito menos ‘vitimismo’



Ainda que o superemos a cada dia, só quem é negro sabe o peso de ter nascido com pele em tons mais escuros. 


Em um paradoxo mais poético, a melanina a mais nos torna amigos do sol, mas não nos permite nascer ao sol. Ela tem um preço alto, assim como o cabelo crespo e o nariz largo também têm.
IMAGEM: Reprodução G1
Em pesquisa, o Ministério do Trabalho e Emprego desenha melhor este cenário. Aqui em Goiás, por exemplo, a média salarial de pessoas brancas é de R$2.375,80, enquanto a de pessoas negras fica em torno de R$1.915,10, uma desvantagem de 19,4%. 
Se observarmos o Centro-Oeste, este número sobe para 29,7%.


Cresci ouvindo piadinhas que me faziam sentir muito mal. Elas não deixaram de existir, eu fui quem passei a entender que o problema não está em mim, mas nas pessoas miseráveis de entendimento e irrevogáveis ignorantes. Sei que a culpa não é 100% deles, ao menos se olharmos de um aspecto cultural.

Fui forte. Não me recluí e nem me oprimi diante do que me impunham como o meu lugar. É, muitos podem não perceber, mas o preto já nasce com o seu lugar pré-definido.

O que mais me deixa triste é saber que milhares e milhares de crianças negras não tiveram ou não terão esta força que tive. Não sei de onde veio tanta força, mas teorizo que eu tenha convertido tudo de negativo em positivo e todas as impossibilidades em viabilidades. Não tive portas e sim janelas, mas decidi ir lá fora ver como era o sol.
Descobri que a energia dele é incrível.

Tive que ousar. Acho que esta é a palavra central. É preciso ousadia e coragem para romper as barreiras do preconceito. Saltei os umbrais.

Ouvi literalmente de pessoas próximas que o Jornalismo não era pra mim e que eu tinha "que procurar um curso como pedagogia, administração ou letras". Primeiro que não considero nenhuma profissão menor que a outra, a não ser com critérios elitistas. Segundo que não dei ouvidos.

Tenho mais duas amigas e um amigo que vivenciaram histórias parecidas com a minha.

Para quem não vive esta realidade de carregar as mesmas características que eu, explico como é o racismo: o racismo é algo muito mais profundo do que costumam elaborar por aí. É cultural e vai além do físico e do pragmático.

Na faculdade sentimos bem o que significa isto. Em todas as atividades, precisávamos nos esforçar três vezes mais para acompanhar o ritmo de quem não trabalhava, não pegava ônibus, não sustentava a família [mas era sustentado] e não sofria com a discriminação pendurada à nossa pele.

Os professores que nos tratavam com desdém não precisaram nos chamar de “macacos pretos” para por o preconceito em prática, mesmo que não declaradamente.

Isto, o preconceito nem sempre gosta de ser chamado de preconceito. Muitas das vezes se traveste de meritocracia ou de "não fui com a cara". 

Alguns ignorantes acreditam que ele só acontece quando um branco chama um negro de “preto” e “macaco”, com a finalidade de ofendê-lo. Ou mesmo vomitam que preconceito racial se caracteriza em ocorrências de agressão física apenas pelo fato de a vítima ser negra.

A pior situação é quando um negro não é capaz de enxergar o preconceito que sofre. Ou seja, em prática, já aceitou sua condição social inferiorizada como sendo algo normal ou do jeito que tinha que ser.


Mas, olhemos ao espelho:



Os negros compõem apenas 12,8% dos alunos de ensino superior no Brasil. E, de acordo com dados de uma pesquisa do Instituto Ethos, divulgada também em 2016, pessoas negras ocupam apenas 6,3% de cargos na gerência e 4,7% no quadro executivo, embora representem mais da metade da população brasileira.

Estes dados também explicam como, em uma entrevista de emprego, a cor da pele e traços raciais falam mais alto que as competências elencadas no currículo.

Também explicam o porquê de os pacientes se assustarem quando entram no consultório e se deparam com um médico negro.

O racismo no Brasil e no mundo ainda é preocupante. É absurdo, mas ignorado e tratado com normalidade.

Eu e mais milhares de jovens negros não podemos sair por aí com uma touca de frio [ou boné] na cabeça que já somos marginalizados e vistos como “gente com cara de bandido”, enquanto um jovem branco, com os mesmos acessórios, é tido como playboy estiloso.

Isto explica bem o fato de a violência policial contra negros ser bem maior. É como se o negro já nascesse numa espécie de tronco social, com permissão para ser violentado, desprezado ou agredido verbo-fisicamente.

O fato é que a dívida racial é grande. Dizer que ela não existe é querer calar uma classe que sempre esteve no lugar de oprimida. Muita gente [a maioria branca] que diz que o racismo é ‘mimimi’ tenta, na verdade, esconder o medo que existe dentro de si de perder o lugar sempre tão privilegiado.

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