quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Jakeline com K


Dependurada na haste de apoio do ônibus que faz a linha 003, em Goiânia, uma mulher cochila com a cabeça apoiada sobre o braço, mesmo em pé. Ao meu lado, recostada na janela, outra mulher divide um banco duplo comigo. Ofereci insistentemente o meu lugar à que estava cochilando, porém não aceitou.

Era ainda manhã de hoje, mas a lotação estava medianamente cheia, todos os passageiros com cara de indisposição, menos eu. Fazia quatro meses não andava de ônibus e, coincidentemente, precisei utilizar.

O silêncio pairava, até que foi quebrado por uma senhora (aparentando 60 anos) que acabara de passar pela roleta. Ao se posicionar de pé, ao meu lado, ela dá um alegre ‘bom dia’ e pergunta o meu nome. Respondi repetindo quatro vezes até que ela subentendesse. Antes que eu perguntasse o dela, ela mesma se apresentou como ‘Jakeline [com k]’, mas que eu pudesse chama-la de Jake.

“Você tem nome de gente chique e cara de trabalhador. Sem contar que é um negão muito atraente, sabia?”, disse ela sem limitar a altura da voz, instaurando uma crise de risada coletiva. Eu também ri ao mesmo tempo em que respondia um “não”.

Dona Jake, muito animada, continuou a investida, só que desta vez mais ousada e incisiva: “É sério, gente, um morenão é delirante, faz as pernas tremerem”, continuou. Desta vez, as risadas foram tão altas que nem ‘A Praça é Nossa’ conseguiria algo do tipo. A mulher que cochilava, agora se contorcia de tanto rir.

Fiquei extremamente constrangido, ainda mais por outra bobagem (não convém contar aqui) que ela falou logo em seguida sobre ‘ser negão’, perguntando se eu aceitava me casar com ela. Com a postura de bom moço recatado que todos sabem que tenho, abaixei a cabeça e também ri muito.

Não conseguia responder nada. Todos os músculos do meu rosto se contraíam de tanta vergonha, enquanto que eu rezava para que chegasse logo o ponto de eu descer. Procurei um buraco para enfiar a cara.

Ao me levantar para acionar a campainha, ela se despediu, disse que era só uma brincadeira para deixar o dia de todos mais animado. Educadamente, respondi. O ônibus parou, eu desci, e o povo continuou rindo.

Perdi todo o gingado, ainda mais que estou mais para um anoréxico do que para um ‘negão atraente’, mas fiquei meditando na diferença que aquela senhora fez no dia de hoje para todas aquelas pessoas, proporcionando um senso de humor. Isso, mesmo tão simples para as pessoas e meio constrangedor para mim, melhora o dia de qualquer ser humano que tem um dia todo de trabalho pela frente.

Por mais pessoas alegres como a dona ‘Jakeline com K’. 

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